segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sophia VIII

A partir daquele dia, as horas de Sophia passaram a ser iluminadas pelo sorriso do estranho - que a essa altura, já não era mais um estranho para ela - seu nome era Esteban. Havia se mudado a pouco tempo em busca de uma vida nova, acabara de se formar e estava usufruindo da sua liberdade recém-adquirida. Ele era como Sophia, com algumas doses a mais de coragem. Pensava em andar sem rumo, ao som dos Beatles e com um violão nas costas.
Eles combinavam, tinham filosofias de vida parecidas.
Andavam e conversavam pelas ruas, ele dizia que seus cabelos eram ruivos quando expostos ao sol, ela respondia que somente uma pessoa - Vicente - tinha dito aquilo antes.
Era estranho que ambos desejavam liberdade e a encontraram se prendendo um ao outro. Nenhum dos dois viveram tamanha felicidade anteriormente, enquanto tivessem um ao outro o mundo ao redor poderia ser bombardeado por extraterrestres espumando de raiva, mas eles estariam unidos.

"Sabe aqueles dias que nunca vão se apagar..."

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sophia VII



Depois do dia que ela tentou esquecer (e desistiu), suas visitas a biblioteca tornaram-se mais frequentes. Era comum ver aquelas mechas de cabelos castanhos e aqueles olhos amendoados escondidos atrás de uma capa qualquer.
Ainda havia um fio de esperança que fazia Sophia retornar sempre aquele lugar. Era como uma terapia, mergulhar nos livros e esquecer a realidade, sempre fora assim para ela.
Escolheu um livro de fotografias aleatório, estava com a mente cansada. Naquele momento aquelas imagens pareciam mais adequadas do que letras pequenas inseridas em textos enormes. Sentou-se no chão daquele corredor deserto, era possível contar nos dedos o numero de pessoas que se encontravam na biblioteca inteira.
Sophia era absorvida por cada fotografia, estava perdida em meio a pensamentos. Nem chegou a notar quando alguém se aproximou com passos lentos e silenciosos, mas ergueu o olhar quando esse mesmo alguém sentou-se ao seu lado.
Ela reconheceu imediatamente aquele rosto, era o estranho. Seu estranho. Desejou imensamente quebrar aquele silencio com um "Por onde esteve esse tempo todo?", mas ele segurou sua mão e ela não precisou pensar muito para entender que, naquele momento, palavras não eram bem-vindas.

"E quando eu ver você, queria uma chance pra ficar"

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sophia VI


Os dias passaram e sua rotina continuava a mesma, segundas-feiras preguiçosas, quartas cada vez mais iguais, sem contar os domingos cheios de tédio e pitadas de melancolia.
Quem sempre a salvava era seu melhor amigo, Vicente. Ele não era o mais bonito da cidade, mas era, de longe, o mais divertido. Tinha o dom de transformar qualquer dia de tempestade num sábado de primavera. E ainda usava um perfume cítrico inconfundível.
Os dois se conheceram aos cinco anos no jardim de infância, enquanto faziam pinturas a dedo e a professora os puniu por terem carimbado as paredes da sala de aula com as palmas das mãos.
Era sexta, dia de ver filme - eles mantinham uma tradição desde a oitava serie e sempre assistiam a filmes nas sextas-feiras. Sophia tirou o avental ridículamente cor de rosa, que infelizmente era o uniforme da sorveteria em que trabalhava e partiu para casa de Vicente.
Era estranho caminhar pelas ruas quase desertas e enxergar em cada quarteirão algo que a fizesse lembrar do estranho de sorriso tímido e olhos de ressaca. Tentava se iludir repetindo mentalmente que o esqueceria quando menos esperasse.
A casa do amigo não era tão longe, chegou em cerca de dez minutos de caminhada, guiada pela luz das estrelas que às sete horas da noite já brilhavam intensamente. Escolheram um besteirol americano aleatório, o qual já sabiam quase todas as falas.
Com exceção das risadas que o amigo conseguira arrancar dela, fora apenas mais um dia sem muita graça.
Incrível como eles combinavam, não era raro alguém perguntar se estavam namorando. Mas o que os unia era um sentimento de irmandade - pelo menos para ela.
"Mas se eu fosse você, daria uma chance pra tentar..."

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sophia V

Tudo o que ela conseguiu falar foi um "obrigada" e não tinha certeza se ele teria ouvido de tão baixo que a palavra soou. Ergueram-se do chão.
- Não acha Romeu e Julieta meio tedioso? - Ele falou isso enquanto lhe entregava um exemplar do livro surrado pelo tempo. Interrogações surgiram na cabeça dela. Shakespeare? Já lera milhões de versões dos mesmos dramas, ela não achava grande coisa, e ate concordava um pouco com esse ponto de vista, mas sempre fora apaixonada por romances.
- Acho, mas gosto de analisar como se vivesse na época em que foi escrito, fica bem mais interessante. - Ele sorriu e o coração dela quase parou.
- Hm. Vou tentar fazer isso da próxima. - Sophia tinha que ir embora, mas essa não era sua vontade. Não mesmo.
- Ajuda muito se interpretar o eu lírico de todos os personagem. Julieta, inexperiente e nunca havia amado antes. Sempre teve as verdades impostas pela família e os horizontes fechados por uma sociedade conservadora. - Calou a boca, temeu ter falado demais sobre assuntos que ninguém mais se interessaria no mundo, alem dela mesma.
- Romeu, que teve seu coração roubado desde o primeiro instante e foi tomado pela insegurança. - Completou docemente o estranho.
- Sempre achei Romeu muito seguro e disposto a lutar pelo que queria.
- Vejo que não e só nos livros que damas e rapazes interpretam o amor de formas diferentes. - Minutos se passaram e eles ainda em pé, próximos a saída da biblioteca.
Sophia olhou o relógio e desejou que aqueles ponteiros que movimentavam-se freneticamente parassem naquele instante. Em vão.
- Desculpe, tenho que ir! - E saiu tomada pela pressa, nenhum adeus, sem ao menos um sorriso de despedida. Sabia que sua mãe metralharia perguntas sobre ela assim que chegasse em casa. Mas ela não ligava, sua angustia derivava da incerteza de um segundo encontro com ele. Estava nas mãos do acaso.
"Droga!" Sussurrou enquanto percorria o mesmo caminho de sempre ate em casa. Mas ela estava sorrindo, sem notar. Sorrindo por dentro. Seu coração dava gargalhadas só de lembrar dos dedos finos que tocaram os seus enquanto devolviam-lhe seus livros.
Em casa, sua rotina foi uma copia dos dias de sempre. Não escapou das perguntas da mãe, respondeu todas com sinceridade (omitiu apenas um fato). Vestiu o pijama e foi se deitar. Lembrou do estranho que rondava sua mente durante as ultimas horas. Lembrou também que não sabia nem seu nome. Como poderia encontra-lo novamente?
"Droga!" Falou pela ultima vez aquele dia.
Adormeceu fitando as estrelas pela janela ampla de seu quarto, foi dando nomes a cada uma delas. Talvez um desses nomes pertencesse a ele.



" Ainda não sabe me dizer direito
Se me deixa ou me põe no peito, eu sei
Tem medo de se arrepender"

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Fuerza bruta

Quero morar num bairro boémio de Nova Iorque
Ser atriz e trabalhar na Broadway
Não ter hora para chegar em casa
E me embebedar de arte nobre

Quero viajar o mundo inteiro
Não preciso de parceiro
Só você para me apoiar

Quero um porto seguro ambulante
Viver num ritmo inconstante
E algum dinheiro decente
Pras minhas futilidades de gente

Deixe-me ser consumida pelo egoísmo
Não me venha falar de narcisismo
E eu tentarei não ser indiferente

domingo, 5 de setembro de 2010

Sophia IV

Ela não precisou de flores no vestido para que algo bom acontecesse em sua vida.
Dentro da biblioteca não houve nada mais do que troca de olhares, mas ela estava feliz só por saber que alguém como ele existia. Ela não o conhecia, talvez esse fosse o mistério que o tornava interessante. Mas o que fazia alguém como ele naquele fim de mundo? O que o teria levado até lá? Torcia para que tivesse sido o destino. E torcia mais ainda para que ele permanecesse por perto.
As horas passaram rápido demais, olhou no relógio e viu que já era tarde.
Sophia arrumou suas coisas o mais rápido que pôde, foi jogando tudo que havia em cima da mesa dentro de sua bolsa de tricô (sua avó materna costumava tricotar quando era viva, havia falecido há cerca de dois anos e aquela era uma boa lembrança que Sophia costumava carregar para todo lado). Se dirigiu rapidamente até a saída, virou para dar uma ultima olhada no rapaz que havia despertado tanto o seu interesse, acabou tropeçando e derrubou os livros que carregava. "Droga!", sussurrou.
As poucas pessoas que ainda se encontravam no lugar olharam, alguém veio ajuda-la. Olhou os dedos finos que empilhavam seus livros, notou um anel fino no polegar e temeu olhar nos olhos do estranho. Sabia que eram mãos masculinas. Mas seriam essas as mãos dele?
- Você tem bom gosto. - Era ele, bastou ouvir a voz para que sua certeza viesse. Havia falado uma frase e conseguira fazer Sophia gelar. Ela sorriu desconcertada, não conseguia pensar em algo bom para responder e algo em sua cabeça martelava dizendo: "Ele falou com você, não seja tão patética!"

"Quando você me ver, já sabe o que falar
Não tenha medo de dizer alguma coisa pra fazer a minha vida mudar"

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sophia III

Haviam lugares os quais ela adorava frequentar, sua cidade era minúscula, mas no fundo ela nem ligava tanto assim, sentia falta de alguns bons concertos de folk e indie rock e enjoava de ver sempre os mesmos rostos na rua, mas esse não era o problema principal.

Era bem certo que ela queria achar seu lugar no mundo, e que ela tinha certeza que não era aquele.

Sophia estava na biblioteca, que na lista de lugares preferidos, só perdia para o seu quarto. Folheava livros cada vez mais interessantes e envolventes. Haveria coisa melhor que o cheiro de livros novos e o silencio interrompido de vez em quando por barulhos aleatórias de portas abrindo e fechando, folhas passando e tics de caneta?

Uma dessas batidas de porta chamou sua atenção, não pelo barulho ou pela força investida na maçaneta, e sim por quem entrou naquele lugar. Ela nunca tinha o visto antes, teria se lembrado daqueles fios de cabelos castanhos levemente assanhados. Prestou atenção o suficiente para notar seus olhos claros de ressaca, como os de quem troca suas noites de sono por um bom filme francês. Ela não sabia como deduziu isso, só deixou a imaginação fluir demais ou enxergou nele um espelho de sua alma.

Ele foi direto para a sessão de literatura antiga, coincidência ou não, a preferida de Sophia.



"Quando eu vi você, não soube o que falar
Por medo de ouvir uma resposta que iria me fazer ficar"